MESMO A PROPÓSITO


"Era de manhã e o novo sol cintilava nas rugas de um mar calmo.

A dois quilómetros da costa, um barco de pesca acariciava a água. Subitamente, os gritos do Bando da Alimentação relampejaram no ar e despertaram um bando de mil gaivotas, que se lançou precipitadamente na luta pelos pedacinhos de comida.

Amanhecia um novo dia de trabalho.

Mas lá ao fundo, sozinho, longe do barco e da costa, Fernão Capelo Gaivota treinava. A trinta metros da superfície azul brilhante, baixou os seus pés com membranas, levantou o bico e tentou a todo custo manter as suas asas numa dolorosa curva. A curva fazia com que voasse devagar, e então a sua velocidade diminuiu até que o vento não fosse mais que um ligeiro sopro, e o oceano como que tivesse parado, abaixo dele. Cerrou os olhos para se concentrar melhor, susteve a respiração e forçou ... só ... mais ... um ... centímetro ... de ... curva ... Mas as penas levantaram-se em turbilhão, atrapalhou-se e caiu.

Como se sabe, as gaivotas nunca se atrapalham, nunca caem. Atrapalhar-se no ar é para elas desgraça e desonra.

Mas Fernão Capelo Gaivota - sem se envergonhar, abrindo outra vez as asas naquela trémula e difícil curva, parando, parando ... e atrapalhando-se outra vez! - não era um pássaro vulgar.

A maior parte das gaivotas não se preocupa em aprender mais do que os simples factos do voo - como ir da costa à comida e voltar. Para a maioria, o importante não é voar, mas comer. Para esta gaivota, contudo, o importante não era comer, mas voar. Antes de tudo o mais, Fernão Capelo Gaivota adorava voar..."


Introdução à primeira parte do livro "Fernão Capelo Gaivota", de Richard Bach

1 comentário:

Alenbio disse...

Do Fernão Capelo Gaivota que há em nós para o Fernão Capelo Gaivota que há em vós:
...voemos, pois,
e asas seremos
no rumo
que tomarmos ao futuro.
De marés
os nossos dias cheios,
de gaivotas
trazendo a tempestade,
de mudanças
que a onda arrasta à praia.
Bebendo o sal da vida.
De propósito.