ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS

Uma realidade escamoteada

A ciência estuda, aprofunda e traça cenários, enquanto os governantes guardam no fundo das gavetas os relatórios e procedem como se nada estivesse a acontecer. E, está....
Em Portugal estamos perante um cenário de seca que se desenhava há muito, mas só agora, de afogadilho, se tenta mitigar a inépcia das sucessivas tutelas, cujo grande feito “histórico” se fixa na construção da grande Barragem de Alqueva que, infelizmente, é só um grandioso reservatório de água, que ainda não serve a ninguém.
Entretanto, nas outras barragens, a água não sobe, porque a chuva teima em não cair do céu. Todavia, apesar da situação ser preocupante na totalidade do território nacional, dizem-nos que “a existirem restrições no consumo só lá para Outubro”...
Com este quadro, cada um é livre de tirar a sua conclusão, a nossa é que neste País há muita coisa a mover-se à velocidade do caracol... Muita e não tudo, porque como se pode ler no artigo que recuperámos, a comunidade científica nacional tem-se esforçado para alertar as consciências quer dos centros de poder e decisão quer dos cidadãos, juntando a sua voz à da comunidade científica internacional, também ela preocupada...
Senão, vejamos.

Mais calor e menos chuva

O aquecimento global está em aceleração. Esta é a conclusão que cientistas de todo o Mundo tiram dos seus estudos, incluindo os portugueses.
As observações portuguesas confirmam taxas de aquecimento acima da média global e os cenários analisados apontam para alterações climáticas, nomeadamente, para uma alteração do “regime de precipitação”, quer com redução da estação chuvosa quer com redução da quantidade de chuva.
Aspectos que, em termos de florestas, colocam questões e obrigam a uma cuidada reflexão… Mas, comecemos pelas informações que a ciência nos dá.

As alterações climáticas em Portugal estão a ser estudadas desde 1999, por uma equipa de cientistas nacionais de várias áreas do saber, que integram o projecto SIAM, sigla inglesa de “Cenários, Impactes e Medidas de Adaptação”, financiado pela Fundação Gulbenkian e Fundação para a Ciência e Tecnologia. A tutela é da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, estando a sua coordenação sob a alçada de Filipe Duarte Santos.
O projecto que vai na sua segunda fase, veio revelar que “a médio e a longo prazo, as ondas de calor, como as do Verão de 2003, vão tornar-se mais frequentes… que vai chover menos e que até ao final do século XXI, o nível da água do mar vai subir cerca de 50 centímetros e que um em cada cinco dias poderá ter temperaturas acima dos 35 graus”.
Na realidade, no estudo estima-se que Portugal poderá registar “60 a 70 dias por ano, com temperaturas acima dos 35 graus, quando, no presente, isso acontece, em média, entre dez e 15 dias por ano”.
O estudo incide ainda sobre sectores sócio-económicos e sistemas biofísicos, entre os quais: recursos hídricos, zonas costeiras, agricultura, saúde humana, energia, biodiversidade, pescas e florestas, sendo que no SIAM II a grande novidade é a definição de cenários para o futuro, cujo objectivo é mostrar que as alterações climáticas podem desenvolver-se e afectar Portugal e o Mundo.
Para os interessados é de notar que os resultados da segunda fase do SIAM vão ser publicados em livro, tal qual como os resultados do SIAM I o foram em 2001.
Florestas e alterações climáticas
O grupo de trabalho do SIAM que se debruçou sobre a floresta ainda não deu por concluídos os seus estudos, pelo que não apresentou conclusões definitivas, quanto ao impacto que as alterações climáticas aí terão. No entanto, há especialistas internacionais que admitem como provável a adaptação das espécies, pois elas são hoje o resultado de um longo e sistemático aproveitamento das situações (boas e adversas) que se lhes foram oferecendo, proporcionando-lhes até especificidades que denotam o seu grau de “inserção” no meio onde sobrevivem.
Sem colocar em causa o que os especialistas afirmam, para o leitor leigo há algo que ressalta destas palavras. É que, a chave desse processo adaptativo parece estar no tempo que cada espécie levará a “reconciliar-se” com o seu novo habitat, pois a história do planeta diz-nos que algumas escaparão e muitas perder-se-ão.
A floresta é, contudo, importante para a nossa sobrevivência e para a nossa qualidade de vida, embora, nos últimos anos, tenha sofrido danos incalculáveis em termos de área ardida e em termos da destruição de espécies singulares em Portugal e em outras partes do Mundo.
Destruição ambiental
Os incêndios florestais considerados catástrofes naturais são, na prática, encarados de forma diferente, comparativamente, com um terramoto ou uma inundação.
Tidos como dos mais graves eventos naturais quer pela frequência quer pela extensão, têm na sua origem causas diversificadas. Entre as comummente apontadas coexistem duas: as condições meteorológicas e climáticas adversas e a acção do ser humano, seja pela pressão ambiental seja pela intervenção criminosa.
Em Portugal a sua distribuição espacial tem sacrificado, quase por norma, o Norte e o Centro do País, enquanto a sua distribuição temporal se fixa entre os meses de Julho, Agosto e Setembro. E, se em termos temporais a regra se cumpre, em termos geográficos, a excepção tornou-se um facto entre nós no Verão de 2003 e já no de 2004, com o Sul a arder.
Um Sul que, inexplicavelmente, as autoridades nacionais entenderam ter um “risco muito baixo de incêndios”. O que motivou criticas dos autarcas sulistas que, desde cedo, se queixaram de discriminação.
O representante dos municípios do distrito de Portalegre, por sinal, um dos mais atingidos pela tragédia, veio mesmo alertar para “a exclusão do Alentejo da operação Presença Solidária, apesar de existirem várias unidades militares em Elvas e Portalegre”.
A vigilância da floresta é fundamental. A prevenção dos fogos florestais também. Afinal, quando arde uma floresta põe-se em causa o equilíbrio ambiental.
A título de exemplo é de referir que “um dos efeitos directos dos fogos é a produção de gases derivados da combustão, entre os quais se encontram, sobretudo, vapor de água e dióxido de carbono e, cada hectare de floresta queimada, liberta até 200 toneladas de dióxido de carbono”, segundo defendem cientistas internacionais. O que, nos dias que correm, é preocupante, pois o dióxido de carbono é o mais directo responsável pela destruição da camada de ozono e, consequentemente, pelo aquecimento global do planeta.
No contexto português, conforme os cenários climáticos avançados pelos cientistas do SIAM e conforme a devastação que vamos enfrentando, talvez fosse aconselhável, todos, sem excepção, ouvirmos o que nos diz a ciência. E, quem sabe, assim repensarmos a nossa floresta, a ocupação dos nossos solos e até as quantidades de resinosas e folhosas que deveremos ter no futuro.
Será que é de manter o pinheiro bravo com 30 por cento de ocupação da nossa área total de povoamentos florestais? Ou, haverá espaço em Portugal para diversificar as espécies, para repovoar e, em alguns casos, reintroduzir, de forma racional e equilibrada, as denominadas espécies autóctones?

Texto de Isabel Carvalho,
publicado Jornal “A Voz do Operário”

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